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RE 898.060/SC e a Pluri-Hereditariedade:

Impacto no Direito Sucessório

Em 22 de setembro de 2016 o Supremo Tribunal Federal – STF decidiu pela possibilidade do reconhecimento da multiparentalidade, isto é, a coexistência da paternidade afetiva e biológica. Sucede que, isso traz um impacto no direito civil, especificamente no ramo das sucessões, qual seja a pluri-hereditariedade, que trata da possibilidade de receber herança de ambos os pais, quer sejam eles afetivos ou biológicos.

Trata-se de uma mudança de paradigma experimentada pelo direito brasileiro, deixando definitivamente para trás a ideia de paternidade nos moldes do direito romano que perduraram desde as primeiras ordenações até o Código Civil de 1916, apesar dos reflexos do novel diploma de 2002.

No que tange à multiparentalidade, esta foi primeiro incorporada ao sistema norte-americano, recebendo o nome de dual paternitynos Estados Unidos, conforme ensinam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2018, pp. 303-304)[1]. No referido caso julgado pela Suprema Corte do Estado de Louisiana na década de 1980. Os fundamentos desta decisão foram: (i) o melhor interesse da criança (the best interest of the child); (ii) a possibilidade de declaração da paternidade por parte do genitor; e (iii) o exercício da paternidade responsável.

Enquanto no Brasil, o direito a multiparentalidade foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal – STF no Recurso Extraordinário 898.060/SC Repercussão Geral 622[2]. O fundamento para a decisão exarada pelo STF foi o sobreprincípio da Busca pela Felicidade – já consagrado pelo direito norte-americano na Constituição de 1787, onde se entende que as pessoas têm direito de buscar àquilo que lhes satisfaz -, decorrente da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, e o princípio da Isonomia entre os Filhos, o qual entende pela igualdade dos filhos, isto é, não há descendente mais importante, todos são iguais. 

Vale ressaltar que na tese fixada pela repercussão geral foi definido que: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais” (STF - RE: 898.060/SC – Santa Catarina, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 22/09/2016, Data de Publicação: DJe-188 24/08/2017).

Salienta-se que isso já era entendido pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM em certo ponto no Enunciado nº 09 aprovado no IX Congresso Brasileiro de Direito de Família, qual seja: “A multiparentalidade gera efeitos jurídicos”(IBDFAM, 2013)[3].

Para além da tese, o ministro Luiz Fux afirmou categoricamente o impacto no direito sucessório da multiparentalidade, sendo possível observar que a pluri-hereditariedade é cabível no direito brasileiro à luz do caso concreto.

Apesar disso, a crítica da doutrina de: (i) Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald[4]; e (ii) Christiano Cassetari[5]é a possibilidade do desvirtuamento do instituto, tornando-se numa busca apenas ao caráter patrimonial, qual seja a herança. Muito embora a crítica seja pertinente, o Supremo ao julgar não restringiu a aplicação desse direito, logo, sendo aplicável a todos os casos em que a multiparentalidade seja reconhecido no caso concreto.

O direito a multiparentalidade é de fato uma progressão para o direito brasileiro, é a possibilidade de se entender que o direito está aberto a como a sociedade se organizar, seja com paternidade afetiva ou biológica, decorrendo disso a possibilidade de receber herança de ambas as paternidades, consagrando-se assim a ideia da pluri-hereditariedade. Tal fato só demonstra o ensinamento que o direito nunca deve estar distante da sociedade, devendo sempre ser aberto às mudanças existentes no mundo contemporâneo, pois se o direito se distanciar, este perde então o seu valor. 

 

[1]FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Volume 7. Sucessões. Salvador: Editora JusPodivm, 2018.

[2]STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: RE 898060 SC. Relator: Ministro Luiz Fux. DJ: 24/08/2017. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE898060.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2018.

[3]IBDFAM. Instituto Brasileiro de Direito de Família. Enunciado nº 09. A multiparentalidade gera efeitos jurídicos.Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/conheca-o-ibdfam/enunciados-ibdfam>. Acesso em: 02 nov. 2018.

[4]FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Volume 7. Sucessões. Salvador: Editora JusPodivm, 2018.

[5]CASETTARI, Christiano. Multiparentalidade e Parentalidade Socioafetiva: Efeitos Jurídicos. São Paulo: Editora Atlas, 2017.

Rodrigo Acioly

2019 Caneca Jurídica

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