Captura Regulatória e Distorção
A mão que protege é a mesma que apunhala. Esse é o sentimento remanescente ao analisarmos de forma globalizante a cultura de um Estado intervencionista, que abraça uma ideologia protetiva, enquanto cria amarras ao ambiente concorrencial, permitindo o cerco por um monopólio cartelizado do setor privado.
Porém, como o ente estatal permite ser, nas palavras da boa doutrina, “capturado” por empresas presentes no mercado?
A resposta para o questionamento está na compreensão do mecanismo de evolução do Direito Empresarial no Brasil e dos limites da intervenção do Estado na economia, formando, pois, os primeiros passos para detectar as falhas existentes no mercado, especialmente no quesito da concorrência, advindas da estrutura organizacional criada para regular as atividades empresariais ante o seu destinatário final, o consumidor.
Hoje, apesar da Constituição da República preconizar o respeito à propriedade privada e à livre concorrência (art. 170, II e IV, da CRFB/88), vivemos dentro de um modelo onde o Estado se mostra regulador e garantista, atuando como um intermediário entre a dicotomia socialista e liberal, na ilusória tentativa de assegurar que o Poder Público não vai bater em retirada e adotar uma economia de laissez-faire laissez-passer[1].
É com base no comportamento interventor projetado em face do cenário econômico que o Estado faz uso de um instrumento visando manter as rédeas do mercado sob o seu controle, a regulação.
Tal atitude foi adotada, inicialmente, com o intuito de corrigir o mercado e garantir a preservação do interesse público, todavia, a prática, na verdade, trouxe nefastos prejuízos ao ambiente concorrencial e às próprias premissas sociais idealizadas pelos defensores da intervenção.
Mergulhados nesse cenário de escassez libertária encontramos o primeiro esboço do que ficaria conhecido como as “teorias da captura regulatória”, tendo como marco a publicação de The Theory of Economic Regulation (1971),do economista da Escola de Chicago, GEORGE STIGLER, defensor da tese que diz ser a regulação não só adquirida pela indústria, como também concebida e executada em seu benefício.
STIGLER, portanto, possui o importante papel de romper com os parâmetros vigentes, pelos quais a regulação estaria justificada diante das falhas de mercado, e introduzir a compreensão de que o ato de regular, a longo prazo, não alcança a persecução dos interesses públicos e sim, impõe benefícios aos agentes privados, que traçam passos tranquilos por caminhos sem disputas com outros concorrentes.
A despeito da visão de STIGLER estar vinculada a ruptura de uma política gestora e honesta – o que não se afasta da realidade brasileira - inúmeros economistas da escola de Chicago desenvolveram o modelo originalmente apresentado pelo autor, entre eles, POSNER, BECKER e PELTZMAN, popularizando a denominação dos estudos como teorias de grupos de interesses, focadas em estudar o fenômeno da captura, por um grupo, das entidades políticas e/ou reguladoras.
Alinhadas com as teorias de grupos de interesses estão os pensadores da escola da Virgínia, responsáveis por detectar as falhas do Estado e do governo, não focando na captura em si, mas nos seus custos para a sociedade (teoria da escolha pública e teoria do rente seeking).
É primordial salientar, que ao intervir, o regulador não está adstrito à promoção do bem social, mas também serve de árbitro aos interesses contraditórios, devendo atender da forma mais apta a compatibilizar os anseios coletivos.
Em suma, a captura regulatória descreve o fenômeno existente em meio ao ambiente de regulação, no qual o Estado coloca barreiras restritivas a ponto de mitigar a concorrência, fazendo com que o setor seja capturado por um monopólio privado.
Isto ocorre porque quanto mais regulado estiver um setor econômico, menor será o número de empresas aptas a concorrerem ou até mesmo se integrarem ao referido mercado, gerando um poder de influência do seleto grupo empresarial dominante perante o Poder Público.
A partir da influência gerada ocorre a captura do governo pelo setor privado, eis que as poucas empresas fornecedoras de bens ou prestadoras de serviços, realizam um forte lobby frente à máquina pública, aprovando medidas benéficas ao setor e mitigando ainda mais a concorrência.
É de se esperar o comodismo ante o monopólio no setor, fazendo com que a cartelização formada pelos entraves burocráticos com prejuízo à esfera concorrencial, possua outras graves consequências ao sistema liberal, como o surgimento de práticas abusivas em relação aos consumidores, a ponto da insatisfação popular clamar pela retomada do Estado ao controle daquele mercado específico, ou seja, conferindo margem a estatização privada.
No fim, os princípios constitucionais não são alcançados, tampouco as expectativas capitalistas, o que prejudica toda a cadeia econômica, refletindo em problemas mais diversos, desde a falta de oportunidades de emprego até o serviço público de má qualidade.
De tais premissas extrai-se, portanto, que o Estado não pode colocar-se em posição de máximo provedor e gerente de todas as ordens e certezas frente à economia, sob pena de engessar as práticas mercantis, sobrecarregar a responsabilidade estatal e trazer danos à qualidade dos serviços e produtos disponibilizados ao principal interessado, o consumidor final.
O tema ainda será amplamente discutido aqui, no CANECA JURÍDICA, enquanto isso, aguardem as próximas abordagens e reflitam sobre os assuntos trazidos!
Até a próxima semana!
[1] GONÇALVES, Ricardo Miguel Pereira. A captura regulatória: uma abordagem introdutória. Disponível em https://www.fd.uc.pt/cedipre/wp-content/uploads/pdfs/co/public_25.pdf. Acesso em 28.09.2018.
Juliane Maia
Advogada