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Concorrência sob Algoritmos

Por onde começar a discutir o mercado cartelizado pela inteligência artificial?

Se um um advogado ou estudante de direito quiser entender o significado de cartel, descobrirá que se trata do conluio de agentes econômicos que combinam entre si as condições dos produtos, preços ou vendas, com o intuito de restringir a concorrência num determinado mercado. Contudo, essa definição deve sofrer uma ressignificação no século XXI com a presença de algoritmos que prometem gerenciar uma empresa e majorar os lucros, em substituição à atuação e inteligência humana.

 

Na era da “internet das coisas”, em que start-ups implementam a inteligência artificial em objetos para executarem tarefas do dia-a-dia de forma mais eficiente do que os seus usuários, como dirigir um carro ou fazer aplicações no mercado financeiro, não seria nada atípico também que empresas delegassem a algoritmos a função de montar as estratégias de vendas – condicionar as ofertas, definir os preços e balancear o estoque – de acordo o comportamento apresentado pelo mercado.

 

Essa capacidade de programas em tomar decisões importantes autonomamente seria em escala econômica o que, por exemplo, o programa AlphaGo, da Google, faz em escala experimental para ganhar partidas de Baduk, um complexo xadrez oriental, contra campeões humanos [1]. Aliás, objetos que atuam sozinhos já é uma realidade em diversas áreas, como aviões de combate [2], robôs-advogados que geram contestações de multa de trânsito [3] e também robôs que definem a dosimetria da pena de um condenado em tribunais americanos [4].

 

Assim, num futuro próximo, não seria de se estranhar que programas avançados de vendas, ainda que pertencentes a empresas distintas, comunicassem entre si para tomarem decisões conjuntas dentro de um meio virtual. A vista disso, empresas rivais poderiam cartelizar o mercado sem que os seus próprios proprietários soubessem.

 

Essa preocupação de cartel sem a intenção humana foi primeiramente reportada pelos professores Ariel Ezrachi e Marice E. Stucke no artigo “Artificial Intelligence & Collusion: When Computers Inhibit Competition”.

 

No estudo, os autores apontaram que o cenário clássico, onde enxergamos empresários juntos para cartelizar, pode não ser mais a principal origem dos cartéis nos próximos anos. Em vez desse cenário, a internet, livre e aberta, seria o terreno ideal para que programas inteligentes de empresas rivais optassem pelo cartel, sem que para isso houvesse a necessidade de prévia anuência ou ciência humana. Os programas simplesmente seriam feitos para obter melhores lucros do que um ser humano.

 

A cartelização por programas se daria porque máquinas ainda são incapazes de separar os limites morais e também legais de suas ações. Assim, poderia um determinado mercado se tornar cartelizado de um minuto para o outro sem que, para as autoridades, ficasse muito claro os meios de prova, o grau de autonomia dos programas envolvidos e a intenção humana por trás.

 

Os consumidores prejudicados, por sua vez, dificilmente perceberiam quando estariam sendo lesionados com ações de programas de computador num campo amplo e complexo como a internet. Pois, dificilmente, há muitas pessoas que entendam a funcionalidade de um site. Além disso, o princípio da inteligência artificial avançada é auxiliar a própria sociedade, tornando as nossas vidas mais cômodas, mais seguras e mais ágeis. Assim, nem sempre paramos para notar, mas estamos mais acostumados a sermos dependentes da tecnologia e a não questionar a sua atuação.

 

Logo, para o século XXI, existe uma realidade que não deve ser ignorada, a substituição da inteligência que organiza e movimenta a sociedade – da inteligência humana para a inteligência artificial. Reforça isso o fato de que seria muito pouco provável assistirmos à aprovação de uma lei que diga: “proíba-se o investimento em inovação tecnológica” ou ver ainda uma empresa na internet adotar o slogan: “tech-free”.

 

Se o avanço tecnológico promete a eficiência para a nossa sociedade, vemos que o avanço tecnológico cobra, em troca, a irreversibilidade.

 

A vista disso, embora não seja possível proibir a tecnologia, é recomendável a sua correta regulação. No Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tem diante de si o desafio de compreender e definir o que é sancionável, por que seria, como seria e ainda como sancionar sem, simultaneamente, inibir os investimentos em pesquisa e desenvolvimento no país.

 

Aliás, a dificuldade no tema é um problema global. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) promoveu mesas-redondas entre representantes dos países-membros e autoridades doutrinárias em julho deste ano, sob a advertência de que cartel é cartel independente de sua origem. De sua parte, assim, as autoridades precisam discutir sobre o desenvolvimento econômico de suas nações conciliando a defesa do mercado com o avanço da tecnologia.

 

 Melhorar a fiscalização no comércio eletrônico? Atualizar as legislações? Reinterpretar as leis já existentes? – As respostas ainda não são claras.

 

E o Brasil, mesmo que não integre a OCDE, possui uma autoridade da concorrência internacionalmente respeitada e uma legislação recente. Nesse panorama, o Cade possui a competência para estabelecer os critérios adequados não apenas no maior mercado digital, mas também no maior ecossistema de start ups da América Latina [5].

 

Por essa razão, o mercado brasileiro exige que o modelo de fiscalização e inibição da concorrência desleal estabeleça critérios suficientemente definidos, a fim de permitir a segurança jurídica de quem investe sem abandonar a proteção da ordem econômica. Além disso, na tratativa do comércio digital, onde camadas da internet fazem mais sentido do que fronteiras nacionais, é relevante que o Cade interaja com autoridades de outras nações.

 

A definição de critérios e a concatenação dos diversos órgãos nacionais de concorrência, portanto, precisa estar sintonizado com as mudanças dos novos tempos, de modo a acoplar o direito da defesa da concorrência à realidade dos riscos do século XXI.

 

[1] Sobre: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/17/tecnologia/1508235763_015093.html

[2] https://www.engadget.com/2016/06/28/combat-ai-beats-air-force-experts/

[3] https://www.tecmundo.com.br/inteligencia-artificial/106644-batemos-papo-robo-advogado-venceu-160-mil-contestacoes.htm

[4] https://www.nytimes.com/2017/05/01/us/politics/sent-to-prison-by-a-software-programs-secret-algorithms.html

[5] https://techcrunch.com/2017/01/19/brazil-a-look-into-latin-americas-largest-startup-ecosystem/

João Mateus Thomé de Souza Lima

2019 Caneca Jurídica

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